sexta-feira, 11 de abril de 2008

BVS Estudo macular em olhos com óleo de silicone por meio da tomografia de coerência óptica

RESUMO
OBJETIVO: Demonstrar a eficácia da tomografia de coerência óptica na avaliação da estrutura anatômica macular em olhos com a cavidade vítrea preenchida por óleo de silicone. MÉTODOS: Estudo observacional descritivo de 28 (vinte e oito) pacientes submetidos a vitrectomia com utilização de óleo de silicone como substituto vítreo. Estes pacientes foram avaliados pela biomicroscopia, oftalmoscopia indireta e pela tomografia de coerência óptica. RESULTADO: Todos os pacientes apresentaram retina aplicada no pós-operatório. A realização da tomografia de coerência óptica não apresentou dificuldade técnica na sua execução. O "cisto" de retina, membrana epi-retiniana e buraco lamelar foram apenas detectados na tomografia de coerência óptica. CONCLUSÃO: A tomografia de coerência óptica demonstrou boa eficácia para detectar alterações maculares em olhos com óleo de silicone. Assim, evidenciamos que é factível a execução deste exame e que este pode nos ajudar a diagnosticar alterações subclínicas no pós-operatório nestes pacientes.
Descritores: Óleos de silicone/uso terapêutico; Vitrectomia; Tomografia de coerência óptica/métodos; Retina/cirurgia; Descolamento retiniano/cirurgia

INTRODUÇÃO
A tomografia de coerência óptica, também conhecida pela sigla em inglês OCT, é um método diagnóstico que permite fornecer imagens de alta resolução das estruturas retinianas seccionadas transversalmente, sendo uma tecnologia não invasiva e sem necessidade de contato para sua realização(1). O Stratus OCT, modelo disponível comercialmente, possui uma resolução de aproximadamente 8 a 10 µm(2-3). O princípio do OCT é baseado na interferometria de baixa coerência(4) e as alterações são observadas como diferença relativa de refletividade na interface óptica das estruturas examinadas(1,3).
Existe uma boa correlação entre imagens obtidas pelo OCT e a estrutura anatômica correspondente. Isto se deve pela diferença de refletividade das estruturas retinianas, que são representadas por uma escala de cores fornecidas pelo computador, na qual as cores brilhantes (vermelha e branca) representam alta refletividade e as escuras (azul e preta), baixa refletividade(5-6).
O OCT pode sofrer limitações por opacidades dos meios ópticos como edema corneano, catarata ou anormalidades no humor vítreo(7-8). O óleo de silicone é utilizado como substituto vítreo na cirurgia vítreo-retiniana para algumas situações de descolamento de retina, para manter-se aplicada até a formação de uma adesão forte de retinopexia (laserterapia)(9-10). A presença de óleo de silicone na cavidade vítrea pode aparentemente afetar a refletividade mensurada pelo OCT e alterar a qualidade dos "scans", diminuindo sua precisão(11).
O objetivo deste trabalho é demonstrar a eficácia do Stratus OCT em avaliar a estrutura macular de pacientes submetidos à cirurgia vítreo-retiniana e tendo óleo de silicone como agente temporário da retinopexia.

MÉTODOS
Realizado um estudo observacional descritivo, no qual foram incluídos pacientes submetidos à cirurgia vítreo-retiniana e uso de óleo de silicone de 5000 cps do Departamento de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
Os exames realizados no pós-operatório foram a biomicroscopia da mácula, oftalmoscopia indireta e OCT "Stratus version 4.0 software" (Carl Zeiss Meditec). As imagens obtidas pelo OCT foram realizadas no programa de medida da espessura da retina ("retinal thickness") e o cursor foi colocado manualmente no centro da fóvea, quando a depressão foveal era visível ou na parte mais espessa no centro da mácula.
As variáveis quantitativas foram expressas em médias e desvios-padrão; as qualitativas calcularam-se freqüências absolutas e relativas. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos e Pesquisa da Diretoria Clínica do HC-FMUSP.

RESULTADOS
Totalizaram 28 (vinte e oito) olhos de 28 pacientes, 75% dos pacientes foram do sexo masculino e 25% feminino. A média de idade foi de 41,3 ± 10,7 anos. Todos os pacientes tiveram a retina reaplicada após o tratamento cirúrgico. Em 82,1% dos casos, o OCT foi realizado no primeiro mês após a cirurgia, sendo que 71,4% foram na segunda semana pós-operatória. Foram selecionados 7 (sete) pacientes para ilustração, pois 14 casos possuem história clínica e resultado similar ao do caso 1, 3 pacientes ao do caso 3, 2 ao descrito no caso clínico 6 e 2 ao do 7.
Caso 1
JVS, sexo masculino, 40 anos, alto míope, no 30º dia de pós-operatório (DPO) de vitrectomia e implante de óleo de silicone por descolamento de retina (DR) total, com rotura posterior e proliferação vítreo-retiniana (PVR). Apresentou, no pós-operatório, mácula aplicada com rarefação difusa do epitélio pigmentado da retina (EPR). O OCT evidenciou as camadas retinianas compatíveis com a normalidade e uma espessura macular de 162 µm na região foveal (Figura 1).



Caso 2
SAE, sexo masculino, 33 anos, portador de coroideremia e retinosquise, submetido a vitrectomia e implante de óleo de silicone por DR secundário a rotura do folheto externo da retinosquise. Observou-se no pré-operatório, ao OCT, a separação das camadas intra-retinianas e o descolamento da retina neurosensorial do EPR (Figura 2A). No 20º DPO, o OCT evidenciava uma retina aplicada, já apresentando a depressão foveal (Figura 2B).




Caso 3
OAS, sexo masculino, 25 anos, portador de uveíte posterior por toxoplasmose tratada há aproximadamente um ano, evoluindo com PVR e DR total. Foi submetido à vitrectomia, sendo utilizado perfluorcarbono para aplicação retiniana, endolaser para realização de retinopexia e óleo de silicone. No 18º DPO apresentava retina aplicada e as roturas bloqueadas pelas marcas do endolaser. O OCT demonstrou uma estrutura retiniana compatível com a normalidade e, anterior à depressão foveal, uma estrutura com refletividade aumentada, sendo atribuída a uma gotícula de perfluorcarbono residual (Figura 3).



Caso 4
MLA, sexo masculino, 66 anos, portador de olho único, apresentou DR regmatogênico com mácula descolada. Foi submetido a tratamento cirúrgico com vitrectomia e implante de óleo de silicone. No 15º DPO, a retina mostrava-se aplicada, sem alterações maculares. O OCT evidenciou uma retina aplicada e um "cisto" perifoveal de 215 µm (Figura 4).



Caso 5
IIB, sexo masculino, 34 anos, vítima de trauma perfurante e corpo estranho intra-ocular (CEIO) no olho esquerdo há 8 meses, submetido à facectomia com implante de lente intra-ocular, vitrectomia e óleo de silicone, apresentando acuidade visual de 20/200. O exame biomicroscópico, prejudicado pela opacidade de cápsula posterior, evidenciou um edema de mácula. O OCT, além de demonstrar o espessamento macular (601 µm na região foveal), constatou uma estrutura de hiper-refletividade, anterior à membrana limitante interna, tendo como diagnóstico uma membrana epi-retiniana (MER) (Figura 5). Assim, foi programada uma intervenção cirúrgica para retirar o óleo de silicone, remover da MER e realizar uma injeção de triancinolona intravítrea para regressão do edema de macular.



Caso 6
ETA, sexo feminino, 46 anos, com baixa de acuidade visual progressiva há 10 meses e piora súbita há 5 dias. Apresentando DR total, foi submetida a vitrectomia com implante de óleo de silicone. No intra-operatório, foi visualizado um buraco macular. No 5º DPO, a suspeita durante a cirurgia foi confirmada na biomicroscopia. Entretanto, o OCT ainda evidenciou tecido retiniano na lesão, firmando diagnóstico de buraco lamelar (Figura 6).



Caso 7
RFM, sexo feminino, 56 anos, referindo baixa de AV de longa data no olho esquerdo que "sumiu" há 1 mês. Diagnosticado DR total, foi realizada vitrectomia com implante de óleo de silicone. No 20º DPO foi visualizado um buraco macular. O OCT confirmou o exame clínico, demonstrando ausência completa de tecido retiniano na lesão (Figura 7).



DISCUSSÃO
O mecanismo de funcionamento do OCT é similar ao da ultra-sonografia, diferindo que o OCT utiliza os reflexos de ondas luminosas infravermelhas ao invés de ondas acústicas(12). A existência de óleo de silicone representa um obstáculo na interpretação dos achados e na obtenção de imagens adequadas na ecografia B(13-14). O silicone intra-ocular causa um aumento aparente do diâmetro axial do olho, devido à menor velocidade do som neste meio (normal = 1584 m/s, silicone = 980 m/s)(13,15). Kumar et al., estudaram a influência da mudança de decúbito no resultado da ecografia em olhos com óleo de silicone, podendo facilitar os resultados(15). Apesar disto, estas imagens podem ser enganadoras e requerem experiência na interpretação(16).
Neste estudo, observou-se que as imagens obtidas pelo OCT, no pós-operatório de pacientes submetidos à cirurgia vítreo-retiniana e óleo de silicone como tamponante temporário, foram de boa qualidade, não apresentando dificuldades técnicas para execução e/ou interpretação dos resultados. As alterações refrativas induzidas pelo óleo de silicone intra-ocular são compensadas pelo OCT no momento de focar a estrutura retiniana, através de uma regulagem no monitor do aparelho. Esta hipermetropização é devida, fundamentalmente, ao maior índice de refração do silicone; variando, em média, de 4 a 7 dioptrias positivas(17-18).
Alguns autores mostraram um estudo com 14 pacientes submetidos a vitrectomia e óleo de silicone (como alternativa substituta para o gás) na cirurgia de buraco macular, sendo que o seguimento desde o 1º DPO foi realizado com OCT, tendo este um importante papel para detectar o fechamento do buraco, confirmando precocemente o sucesso cirúrgico(19). Neste estudo, observou-se na oftalmoscopia indireta a aplicação retiniana em todos os casos no pós-operatório. Na biomicroscopia de fundo foram constatados edema de mácula, gotícula residual de perfluorcarbono e buraco macular não vistos na oftalmoscopia indireta. O OCT, além de demonstrar o que a biomicroscopia de fundo e a oftalmoscopia indireta evidenciaram, também constatou a presença de um "cisto" intra-retiniano, membrana epi-retiniana e buraco lamelar, não detectados pelos outros métodos propedêuticos.

CONCLUSÃO
O Stratus OCT demonstrou uma boa eficácia para detectar alterações maculares em olhos com óleo de silicone, podendo ser útil em avaliações pós-operatórias. É um exame não invasivo, de fácil execução e interpretação, podendo ser incorporado ao arsenal propedêutico no seguimento das cirurgias vítreo-retinianas, mesmo com este tamponante temporário de retinopexia.

REFERÊNCIAS
1. Huang D, Swanson EA, Lin CP, Schuman JS, Stinson WG, Chang W, et al. Optical coherence tomography. Science. 1991 22;254(5035):1178-81. [ Links ]
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